Uma das apresentações mais impactantes da 2022 LSP® Global Meeting foi a do convidado Hans Henrik Knoop. Ele é professor na Optentia Research Focus (África do Sul) e na Aarhus University (Dinamarca), além de um antigo colega de Robert Rasmussen.
Economia da distração
Em sua palestra Flow as a Key Life-Quality, Hans falou sobre concentração, experiência ótima e economia da distração. Explicou como a batalha pela nossa atenção e pelo controle da nossa experiência é frequente nos dias atuais e gera um ciclo de falta de algo e motivação para satisfazer a necessidade. Segundo ele, nós nascemos otimizados para a concentração e não para a distração, porém a forma como a maioria de nós vive atualmente não privilegia este estado, já que nos vemos expostos a inúmeros estímulos ao mesmo tempo e o tempo todo.
Não é de se admirar que vivamos exaustas/os e ansiosas/os. O Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2019, quase 10% das/os brasileiras/os conviviam com o transtorno. Segundo Hans, a curiosidade é o antídoto para este estado e ajuda a curar traumas do passado. Acredito que a curiosidade tenha um papel fundamental para a qualidade de vida das pessoas e foi poderoso ver uma autoridade no assunto reforçar um dos pilares da Maestrina.
O brincar e o jogar
A segunda contribuição que gostaria de destacar é sobre a concentração durante o brincar e o jogar. Hans Henrik Knoop disse que é preciso fazer um esforço para brincar/jogar sem esforço. Pois é, para entrar no delicioso estado de flow é necessário fazer uma forcinha. Ele disse que é o empenho que vai conduzir ao prazer e ao fluir.
Para o psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, o estado de flow é quando estamos completamente absorvidos na atividade a ponto de nos perdermos na alegria que advém deste fazer. Em sua apresentação, Hans comenta que quando atingimos o estado de flow não sentimos dor ou ansiedade e que a curiosidade é o antídoto para a ansiedade. Mas é preciso persistir durante a fase inicial do processo para chegar a este estado de alto desempenho e funcionalidade.
Brincar/jogar é uma maneira eficiente de treinar a habilidade de fluir, já que é impossível brincar/jogar sem estar concentrado. Apesar do mundo adulto, especialmente o corporativo, desencorajar o jogo e a brincadeira, nos beneficiaríamos muito dessa abordagem para atingirmos nossos mais elevados potenciais e melhorarmos significativamente nossa qualidade de vida.
Para Hans, o brincar livre é indispensável, pois é assim que nós – mamíferos – fomos constituídos. Assim como o flow é nosso estado natural, é psicologicamente sustentável. Basta olhar para uma criança para perceber como ela entra naturalmente em estado de fluidez durante suas interações com o entorno.
Infância
O terceiro ponto que chamou minha atenção é sobre a infância. Hans falou sobre como as crianças que nascem em cidades não saem para explorar os arredores de onde vivem como fazem as do campo. O professor disse que é preciso se sentir seguro para explorar. Fiquei refletindo sobre os possíveis impactos que isto pode gerar.
A curiosidade é uma característica muito visível nas crianças, é possível ver como ela permeia cada interação das/os pequenas/os. Através da experimentação, aprendem sobre si, os outros e o mundo e formam o repertório que as guiará em ações futuras. A liberdade e a oferta de diversidade de estímulos e vivências repercutirá na riqueza do acervo construído pelo indivíduo. A segurança tem um papel fundamental não apenas na integridade física da criança, mas também no aprendizado. Quando não nos sentimos seguros em uma situação, nosso cérebro entra em estado de alerta e prioriza os mecanismos de defesa. Ao mesmo tempo, bloqueia os canais envolvidos no processo de aprendizagem. Assim fica bastante difícil aprender quando estamos em cenários de insegurança, coação e violência.
Pensando sobre a organização atual das cidades e o estilo de vida das pessoas, percebemos como essa configuração impacta negativamente a vida das crianças. Não há segurança nem liberdade suficiente para explorar os arredores, experienciar por conta própria e estimular a curiosidade inata. Dessa forma, os repertórios ficam empobrecidos e limitados, o desenvolvimento cognitivo, social e emocional fica comprometido e a sensação de insegurança e falta de liberdade se perpetua por mais uma geração.
Metáforas
A penúltima reflexão que quero compartilhar da apresentação de Hans Henrik são as metáforas do motorista e da natureza. Para ele, todos nascemos motoristas e não passageiros de nossas próprias vidas. As habilidades básicas que deveríamos desenvolver para viver bem seriam saber acelerar e frear (autorregularão para crescer) e virar para a direita e para a esquerda (autorregulação para equilibrar).
Segundo Hans, através da habilidade de autorregulação de crescimento e equilíbrio, alcançaríamos uma vida de bem-estar físico, emoções positivas, comprometimento, significado e pertencimento. A partir daí, seríamos levados a explorar nossa curiosidade e agir no mundo. Então, acessaríamos a criatividade e o aprendizado atingindo o sucesso (de um ponto de vista pessoal) nessas áreas o que realimentaria o desejo de criar e aprender e motivaria um novo clico de curiosidade e necessidade de agir.
Fonte: Maestrina com base em Hans H. Knoop
Para Hans, esta sequência é a base para uma vida plena e significativa. Ele nos lembra que o florescimento vem de dentro para fora na natureza e esta é a sua verdadeira beleza. Assim também é o ser humano, ele não pode fazer nada sem significado e sem que haja dentro de si uma intenção clara e motivação profunda. Segundo o professor, o florescer é a metáfora para uma boa vida.
Como voltar para o flow
A última reflexão que quero resgatar da poderosa apresentação de Hans é sobre o flow e como ele se relaciona com a qualidade de vida das pessoas. O estado de flow é a média entre o nível de desafio e a competência da pessoa. É nesta faixa que encontramos o fluir, brincadeiras e jogos, aprendizado, criatividade e bom trabalho. É o estado natural do ser humano e constitui uma maneira ótima de realizar.
Fonte: Maestrina com base em Hans H. Knoop
Se temos um desafio muito alto e uma competência baixa, gera-se ansiedade. Sabemos bem que nesta situação o cérebro nos avisa que estamos em perigo e cria-se um sonoro alerta. Baixar as expectativas sobre a tarefa e avançar gradualmente pelo trabalho devem ser uma prioridade para retornar ao estado de flow. Já nos casos em que o desafio é baixo e a competência é alta, encontra-se o tédio. Em alguns casos prolongados, este tédio pode levar a depressão e a falta de sentido. Aqui a prioridade é aumentar os desafios gradativa e significativamente como uma estratégia para voltar ao estado de flow.
É impossível permanecer em flow, saímos deste estado muitas vezes durante o dia e podemos aprender a retornar a ele. Acredito que esta seja uma das contribuições mais significativas da apresentação de Hans. Para finalizar, quero recapitular as lições aprendidas com Hans nesta oportunidade:
- Nascemos otimizadas/os para a concentração e não para a distração;
- Brincar/ jogar é indispensável e é preciso fazer um esforço para brincar/jogar sem esforço;
- Explorar livremente é poderoso e é necessário se sentir segura/o para fazê-lo;
- Somos motoristas de nossas vidas e precisamos saber nos autorregular para atingir uma vida significativa;
- O florescimento humano vem de dentro para fora, como na natureza, e esta é a sua verdadeira beleza;
- O estado de flow é o natural do ser humano.
“O flow está no centro e se relaciona com tudo. É o estado psicológico sustentável e uma peça-chave para a qualidade de vida.”
Hans Henrik Knoop
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