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Home skills

 

O projeto Home Skills tem como objetivo desenvolver a autonomia e aumentar a autoconfiança das crianças do Colégio São Francisco de Assis (CFSA)[1]. A primeira edição aconteceu em 2018, a partir da iniciativa da psicóloga clínica Melissa Doroana Mendes e da coordenadora pedagógica Beatriz Soeiro.


Em fevereiro, tive a oportunidade de visitar a escola e conversar com a Melissa sobre os projetos em que está envolvida. Nesse texto, vou compartilhar a sua visão sobre o Home Skills. Ela observou que alguns alunos do 1° ciclo (1° a 4° anos com crianças entre 6 e 9/10 anos) apresentavam baixa autoestima e dependência dos pais, necessitando de ajuda deles para tarefas básicas como amarrar os cadarços e tomar banho. Essa baixa autoestima também influenciava negativamente o comportamento das/os alunas/os na escola, manifestando-se em baixa tolerância à frustração e irritabilidade. O projeto surgiu da confluência entre as observações da psicóloga e a proposta de uma mãe de aluna:

 

Este Projeto nasceu da sugestão de Mãe de aluna do Colégio S. Francisco de Assis (CSFA), que teve conhecimento de um colégio de Vigo (Espanha), que ensina jovens do sexo masculino na realização de tarefas domésticas básicas como cozinhar, engomar e limpar a casa, fazendo-os compreender que estas não são exclusivas das mulheres, nem tão pouco existe uma relação “natural” entre trabalho doméstico e género feminino. (Educação para a Igualdade de Género – Projeto Home Skills)[2]

 

Fonte: Maestrina com base no documento Educação para a Igualdade de Género – Projeto Home Skills


O projeto

O Home Skills é composto por 3 etapas e inicia-se com um debate durante a Assembleia. A coordenadora Beatriz explica essa prática:


As Assembleias de Escola acontecem uma vez por mês e tem como principal objetivo criar um momento com as 4 turmas, onde são partilhados projetos ou trabalhos realizados, sugestões ou situações relevantes a melhorar com a intervenção democrática de todos. Para isso temos uma caixa, chamada Caixa das Sugestões, que se encontra acessível a todos os alunos e colaboradores, onde são colocadas sugestões ou pedidos, que são lidos e discutidos nestas Assembleias de Escola.

 

Durante o debate, é possível conhecer as representações sociais que as/os alunas/os tem em relação as tarefas domésticas e familiares.


As respostas obtidas apontam para a desigualdade na quantidade e natureza das tarefas realizadas pelo pai e pela mãe, modelo que as crianças aprendem e poderão vir a reproduzir na sua vida adulta. (Educação para a Igualdade de Género – Projeto Home Skills)

 

Na segunda fase do Home Skills, perguntas sobre a percepção das/os alunas/os quanto as diferenças entre o papel social dos gêneros feminino e masculino, suas contribuições nas tarefas domésticas e possibilidades de mudança são acrescentadas ao debate. Através das respostas obtidas nas edições realizadas do projeto, as idealizadoras perceberam que:

 

[...] nas idades precoces (6-9 anos, no presente caso), as crianças revelam, do ponto de vista conceptual, um sentido de justiça e de equidade relativamente à ideologia de género. (Educação para a Igualdade de Género – Projeto Home Skills)

 

Na terceira etapa, as crianças aprendem diversas tarefas domésticas na prática. Uma vez por ano, Melissa monta uma casa de mentirinha na sala de acolhimento da escola. Há cozinha, lavanderia, quarto e até jardim. Em cada uma das estações de trabalho, são ensinadas tarefas relativas aquele espaço. Os grupos de crianças vão passando em cada uma delas e aprendendo a preparar refeições, estender, recolher e dobrar roupas, fazer a cama e até passar a ferro. No documento descritivo sobre o Home Skills disponibilizado pelas idealizadoras do projeto, há sugestões de tarefas domésticas que são indicadas para cada faixa etária[3], pois à medida que as crianças vão adquirindo expertise, ficam mais motivadas para aprender novas tarefas e podem adquirir novas habilidades. O projeto contou com alta adesão por parte das/os alunas/os e foi reconhecido pela Escola Amiga da Criança[4] como melhor projeto em 2023, recebendo com prêmio livros LeYa e doações dos parceiros envolvidos na iniciativa. Este ano, o CSFA recebeu o selo de Escola Amiga da Criança.

 

Sabemos que a divisão de tarefas em casa pode transmitir às crianças uma imagem das principais funções que se espera que o homem e a mulher desempenhem no lar, durante a vida adulta. Os pais são sempre influências dominantes nas crenças dos seus filho(a)s adultos sobre a igualdade de género e há evidências de que a transmissão intergeracional da ideologia de género tem relação com a aprendizagem social. (Educação para a Igualdade de Género – Projeto Home Skills)


Fonte: Unsplash [5]

 

Trabalho invisível

As pesquisas sobre o trabalho doméstico invisível e não remunerado das mulheres vem ocupando cada vez mais espaço nos meios de comunicação. Estudo apontam uma grande disparidade em relação a quantidade de horas que mulheres e homens dedicam diariamente a manutenção e cuidado com a casa e a família. Importados da Europa Ocidental e perpetuadas pelo patriarcado, o modelo de família e as normas de gênero colocaram a mulher na função de cuidadora, reforçando continuamente que são naturalmente amorosas e protetoras. A dedicação desproporcional das mulheres dentro de casa, limita o tempo e a energia disponíveis para que elas exerçam outros papéis sociais e os prejuízos são inúmeros, tais como cansaço físico, mental e dependência financeira. É urgente promover a divisão equitativa do trabalho doméstico, independentemente do gênero, e desconstruir os estereótipos de gênero existentes:

 

A persistência desses padrões contribui não apenas para a desigualdade de gênero, mas também para a sobrecarga das mulheres na esfera dos cuidados, agravando as disparidades existentes. Tradicionalmente, as mulheres foram associadas a características como sensibilidade, passividade, meiguice e tolerância, que são frequentemente relacionadas ao ensino, cuidado, atividades domésticas e maternagem. Por outro lado, os homens foram historicamente ligados a atributos como liderança, agressividade, força física, lógica e ousadia. Entende-se que essas percepções estereotipadas não apenas limitam as possibilidades individuais, mas também perpetuam desigualdades de gênero ao reforçar expectativas predefinidas. É importante reconhecer e desafiar tais estereótipos, promovendo a ideia de que habilidades e características não têm gênero, permitindo que todos possam explorar e desenvolver plenamente seus potenciais independentemente das normas tradicionais. (CARMO e CANHEDO, 2024, p.7)[6]

 

O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)[7] em 2023 levou 2,7 milhões de estudantes[8] a refletir e discorrer sobre "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil". As/Os participantes destacaram o papel do Estado no enfrentamento a questão, através da criação de leis mais justas, da fiscalização do cumprimento dessas leis, apoio psicológico e financeiro a mulheres em situação de vulnerabilidade emocional e financeira e de investimentos na Educação.

 

 

[1] Visitei o Colégio São Francisco de Assis a convite da coordenadora pedagógica Beatriz Lameiro Soleiro. A escola fica próxima a Lisboa: em Porto Salvo, uma vila portuguesa sede da Freguesia de Porto Salvo do Município de Oeiras

[2] Documento produzido por Melissa Doroana Mendes e Beatriz Lameiro Soleiro após a primeira edição do projeto Home Skills em 2018. Conta com informações sobre o projeto, fundamentação teórica e resultados obtidos.

[3] Lista de tarefas domésticas indicadas para crianças de acordo com a idade. Disponível em: https://www.e-konomista.pt/lista-tarefas-domesticas-filhos/. Acesso em: 01 mar. 2024.

[4] Uma iniciativa conjunta da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), da LeYa e do psicólogo Eduardo Sá, que visa distinguir escolas que concebem e concretizam ideias extraordinárias, contribuindo para um desenvolvimento mais feliz da criança no espaço escolar e essencialmente partilhar essas boas práticas.

[6] CARMO, V. F. do; CANHEDO, N. Valorizando o invisível: reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado feminino na decisão da 12ª câmara cível do tribunal de justiça do Paraná. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, Brasil, São Paulo, v. 7, n. 14, p. e14965, 2024. DOI: 10.55892/jrg.v7i14.965. Disponível em: http://revistajrg.com/index.php/jrg/article/view/965. Acesso em: 19 mar. 2024.

[7] Uma prova destinada aos estudantes que já terminaram o ensino médio. Com as notas do Enem, os alunos podem ingressar no ensino superior por meio de programas do Ministério da Educação (MEC).

[8] Números divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/divulgados-resultados-do-enem-2023. Acesso: 19 mar. 2024

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