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Você conhece uma pessoa com altas habilidades/superdotação?

Uma experiência brasileira

Mayara Tatibana Bortolotto para LSP Magazine


Pare e pense nas pessoas que você conhece. Entre elas, há alguém com habilidades que se destacam? Alguma pessoa com “talento natural” para matemática, artes, música e/ou esportes? Recorda de alguém com muita facilidade para aprender, com criatividade acima da média e grande sensibilidade? Entre seus conhecidos, há uma pessoa com dificuldade de socialização, que tende à introspecção e ao isolamento? Conseguiu pensar em alguém? Pois bem, saiba que essa pessoa pode apresentar traços de Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)[1].

Não há um consenso sobre a definição e nem um termo global para se referir às pessoas com AH/SD. A definição na legislação brasileira que consta na Política Nacional de Educação Especial[2] (2008), descreve as pessoas com AH/SD como aquelas que:


demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.


De acordo com as experiências em workshops do projeto voluntário Genius: voz para crianças e jovens com Altas Habilidades[3], foi possível observar que, além das características citadas acima, pessoas superdotadas possuem alto grau de empatia, sensibilidade e curiosidade.


O processo de identificação é complexo e multifacetado e envolve uma variedade de testes, avaliações e critérios. Da mesma forma que não há um consenso universal sobre a definição de superdotação, pode haver variações nos critérios de identificação e nos métodos de coleta de dados entre diferentes estudos e organizações. A sinalização de traços de AH/SD pode vir da família, dos colegas, dos professores ou por autonomeação. A partir da sinalização, pode-se partir para o processo de avaliação que culminará ou não na identificação.



ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR BRASILEIRO


A escola é o ambiente onde crianças e jovens com potencial elevado geralmente se destacam, seja por desempenho acima da média e/ou problemas de comportamento. Por estarem em meio a pessoas da mesma faixa etária e em contato diário com profissionais da área da educação, atualmente o ambiente escolar é o maior aliado na identificação de pessoas com AH/SD. Porém, o número de estudantes identificados ainda é muito pequeno no Brasil [4] (BRASIL, INEP, 2021). A invisibilidade causada pela falta de identificação de estudantes com AH/SD causa grande sofrimento psíquico e emocional para crianças e jovens, suas famílias e comunidades. Os casos mais graves podem levar a agressividade, evasão escolar e até suicídio.


A área de AH/SD faz parte da Educação Especial e tem direito a Atendimento Educacional Especializado (AEE) garantido por lei, realizados nas salas de recursos localizadas em escolas públicas. Além de estudantes com AH/SD, a Educação Especial engloba aqueles que apresentam deficiências e transtornos globais do desenvolvimento. Para muitas pessoas, pode parecer um contrassenso oferecer Atendimento Especializado para alunos/as que possuem potenciais acima da média, especialmente no Brasil, onde temos um aprofundamento das desigualdades sociais. São mitos como estes que dificultam ainda mais o atendimento adequado a estudantes com AH/SD. É importante destacar que as pessoas com AH/SD possuem um POTENCIAL elevado e precisam de estímulos e recursos apropriados para o desenvolvimento pleno de suas capacidades. As salas de recursos para Altas Habilidades/Superdotação se dedicam ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de habilidades intelectuais, criativas, sociais e cognitivas dos alunos identificados com AH/SD ou em processo de identificação. Além do AEE, há a possibilidade de aceleração, que possibilita o avanço nas séries escolares ou o cumprimento do currículo escolar em menor tempo, desde que se comprove o aprendizado.



LEGO® SERIOUS PLAY® E ENRIQUECIMENTO CURRICULAR NO BRASIL


De acordo com o "Modelo dos Três Anéis" proposto por Joseph S. Renzulli (1970)[5], a superdotação é a convergência de três componentes: habilidade acima da média, altos níveis de criatividade e envolvimento com a tarefa. Para este teórico, existem dois tipos de superdotação: a acadêmica e a produtiva-criativa. O perfil acadêmico é facilmente medido por testes de Quociente de Inteligência (QI) e identificada nas escolas, enquanto o segundo tipo, produtivo-criativo, é menos reconhecido no contexto escolar. Estudantes de ambos os perfis necessitam de programas especiais para desenvolverem seus potenciais e o Modelo De Enriquecimento Curricular criado por Renzulli é a base teórica adotada pelo Ministério da Educação (MEC) no Brasil.


A metodologia LEGO® SERIOUS PLAY® (LSP®) tem se mostrado uma ferramenta inovadora para o enriquecimento escolar de alunos com AH/SD. As oficinas do Genius, facilitadas entre 2019 e 2022 em instituições públicas de ensino do Brasil, tiveram resultados significativos tanto no âmbito individual quanto no coletivo. Foi possível observar como as atividades propostas durante os encontros impactaram positivamente estudantes de ambos os perfis. Além dos benefícios da criação de um ambiente seguro de fala, onde cada participante tem o seu tempo para falar e ouvir, há a oportunidade de se expressarem autenticamente e sem julgamentos. Através dos compartilhamentos, observou-se a construção de laços entre os participantes e identificou-se casos de sofrimento e violência que não haviam sido relatados anteriormente. A partir disso, pode-se propor encaminhamentos para profissionais especializados onde puderam receber auxílio para superar estas questões.


Olhando para cada perfil, fica claro como as oficinas podem ser aliadas no processo de desenvolvimento de habilidades e enriquecimento escolar dos estudantes. Os superdotados acadêmicos, podem se beneficiar das oficinas com metodologia LSP®, pois possibilitam uma nova maneira de abordar seus pensamentos e sentimentos, embora esses estudantes possam resistir a construir com os blocos no início. A organização dos encontros ajuda a construir uma estrutura segura para as crianças superdotadas acadêmicas navegarem, já que este grupo pode ter dificuldade com a interação social. Durante as atividades propostas, convida-se a reflexão, o que é naturalmente agradável para esse grupo, e ao compartilhamento de suas percepções sobre si e sobre o assunto proposto. Assim, provoca-se o estudante a sair da abstração dos pensamentos e a interagir com os demais participantes.


Em relação aos superdotados de perfil produtivo-criativo, percebeu-se que foram mais abertos à metodologia e expressaram seus sentimentos e pensamentos por meio de modelos e metáforas altamente criativas. Neste grupo, a modulação de atividades com blocos de tempo e instruções claras para o desenvolvimento de tarefas, ajuda na administração do foco e da frustração. Superdotados criativos-produtivos podem apresentar capacidade de hiperfoco e resistência à interrupção, além de impulsividade e as rodadas de construção e compartilhamento ajudam a exercitar a resiliência. Ao oferecer um sistema organizado com início, meio e fim, as oficinas ajudam na ordenação dos pensamentos, já que podem apresentar maiores dificuldades em organizar as ideias em uma certa sequência, ou, focalizar a atenção em um ponto específico. Os blocos LEGO®, por serem um material concreto, ajudam a moderar os elevados padrões de autocobrança e perfeccionismo ao mesmo tempo que oferecem recursos de fácil manuseio com possibilidades instigantes para executar sua criatividade.



A educação de crianças e jovens com AH/SD ainda é uma incógnita para a maioria das escolas e poucas delas estão dispostas a olhar para esse grupo, preparar seus profissionais e unir esforços para acolher, estimular e dar suporte para o desenvolvimento dos potenciais que moram em cada superdotado. As oficinas do Genius tem provocado reverberações nos alunos e demais participantes, demonstrando que a metodologia LSP® torna possível dialogar sobre temas sensíveis de maneira profunda. A cada encontro, se fortalece a convicção de que este trabalho é capaz de produzir mudanças significativas nas vidas de estudantes com AH/SD, seus pais, professores, escolas e comunidades.

 

Artigo publicado originalmente na LSP Magazine em 1 de julho de 2023

 

[1] RONDINI, C. A; REIS, V. L. dos. Termos, conceitos e contextos da superdotação. In: RONDINI, C. A; REIS, V. L. dos. Altas Habilidades/Superdotação: Instrumentais para identificação e atendimento do estudante dentro e fora da sala de aula comum. 1ª edição. Curitiba: CRV, 2021. p. 119-139.

[2] Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008a. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008.

[3] Projeto sem fins lucrativos que oferece oficinas gratuitas a estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) de escolas públicas do Brasil. Os workshops utilizam a metodologia LEGO® SERIOUS PLAY® para dialogar sobre a educação de crianças e jovens identificados ou em processo de identificação.

[4] BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Resumo Técnico: Censo Escolar da Educação Básica 2021.

[5] RENZULLI, J. S. O Que é Esta Coisa Chamada Superdotação, e Como a Desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. 2004. 57 f. Educação, Porto Alegre, ano XXVII, n. 1 (52), p. 75 – 131, jan./abr. 2004.

[6] SILVA, A. R da. Adolescentes com Altas Habilidades/Superdotação do tipo produtivo-criativo: diálogos entre o autoconceito e a trajetória escolar. 2022. 173 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação no Programa de Políticas Públicas e Gestão Educacional) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2022.


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